título do trabalho
work title
data
date

cinco pedros, 2025

five Peters, 202


cinco impressões em papel Hahnemühle Photo Rag 308gr, emolduradas

Foto do coração do imperador dom Pedro IV realizada por Estela Silva/Agência LUSA (2022) e da cripta imperial realizada por Henrique Siqueira (2025)

64 x 148 cm


five prints on Hahnemühle Photo Rag 308g paper, framed

Photo of the heart of Emperor Dom Pedro IV taken by Estela Silva/LUSA Agency (2022) and of the imperial crypt taken by Henrique Siqueira (2025) 

64 x 148 cm


© Aad Hoogendoorn


Ao longo de quase 900 anos, a Casa Real Portuguesa teve apenas cinco reis que receberam o nome Pedro, porém, o último deles não corresponde ao quinto Pedro representado no meu políptico fotográfico, por uma licença poética/estética justificada pela conexão entre a metrópole e sua maior possessão territorial. 

O primeiro deles pertenceu à primeira e distante dinastia e parece ter sido um bom rei, mesmo que por apenas dez anos. É conhecido como o Justiceiro/Cruel, definido por um temperamento explosivo e pelos excessos cometidos, não apenas em função de perversões cruéis, mas sobretudo em nome de uma grande paixão. Pedro exigiu que sua amada Inês fosse coroada depois de morta e mandou arrancar-lhes o coração a dois dos seus assassinos, um pelo peito e outro pelas costas. No Mosteiro de Alcobaça, os corpos de Inês e Pedro, cada  um de um lado do transepto da igreja, parecem ter sido petrificados durante o sono, e dessa maneira, aguardam o dia do Juízo Final, quando, ao despertar, voltarão a se ver. Histórias como essa ainda são contadas no nordeste do Brasil, pelos repentistas e escritores de literatura de cordel.

O segundo Pedro foi coroado em 1683,  já em plena Dinastia de Bragança. Foi denominado o Pacífico, por ter dado um fim às guerras da Restauração, após o fim da União Ibérica, braços dados com a Inglaterra. A paz, entretanto, era relativa. No Brasil colonial, o açúcar enchia os cofres da metrópole às custas do tráfico de pessoas escravizadas no continente africano, que crescia de vento em popa. Ao descobrirem ouro no sertão de Caeté, nas Minas Gerais, uma nova fase de prosperidade foi iniciada, mas a garantia da riqueza e do território dependiam da mão pesada para conter as revoltas coloniais. Em 1695 o Quilombo de Palmares foi destruído. Pedro amargou por três anos uma sonolência incontrolável; morreu de ataque apoplético, com o fígado retorcido e 25 pedras na vesícula. 

O terceiro Pedro se casou com sua sobrinha Maria, por amor e por interesse, para assegurar a continuidade da dinastia dos Bragança, já que ela seria a primeira monarca mulher a reinar a partir de seu direito hereditário. Ambos muito religiosos, ela foi cognominada a Piedosa e ele, apelidado de o Sacristão por um historiador liberal do século XIX que também o classificou com ‘um homem muito feio, com cara de idiota, fisionomia feroz, cabeleira desalinhada e ar de bêbado,’ um retrato nada simpático para uma eminência que nada tinha de parda ou cinzenta. Sua morte parece também ter contribuído para a loucura d’a Piedosa que, aliás, ao chegar no Brasil, já havia se transformado n’a Louca

O quarto Pedro foi um homem dividido entre duas nações; foi o Rei Soldado e o Libertador. Era príncipe quando, em 1808, para fugir de Napoleão, viajou com a Corte Portuguesa para estabelecer-se em terras coloniais, produzindo um efeito inédito: uma metrópole europeia deslocou-se para fora do continente por mais de dez anos. Tornar-se imperador do Brasil era uma maneira de garantir a proximidade entre a metrópole europeia restaurada e um vasto território que não admitiria ser rebaixado ao status colonial, novamente. O manto da sua coroação, em formato de poncho, foi confeccionado em veludo verde, com ramos de cacau e tabaco bordados a fio de ouro, e adornado com uma murça de penas amarelas de galo-da-serra, executada pelos indígenas Tirió. Tentar manter os pés dos dois lados do atlântico gerou uma série de crises políticas, uma guerra e, no final, cansado e tuberculoso, lhe custou a própria vida. Seu desejo foi que seu coração fosse mantido no Porto, onde é guardado, qual uma relíquia trancada a cinco chaves, na Igreja de Nossa Senhora da Lapa. Em 1972, em plena ditadura militar no Brasil, seus ossos foram levados para a cripta do Monumento à Independência, em São Paulo, num local próximo  ao de onde teria gritado: Independência ou morte.

Rosângela Rennó, 2025

Over the course of almost 900 years, the Royal House of Portugal had only five kings named Peter, but the last of them does not correspond to the fifth Peter represented in the photographic polyptych.

The first Peter, known as the Vindicator/Cruel, belonged to the first dynasty and was defined by his explosive temper and the excesses committed in the name of exalted passions and cruel perversions, even though he was a good king for only ten years. His beloved was crowned after her death, and Peter ordered two of her murderers to have their hearts torn out, one through the chest and the other through the back. In the transept of the church of the Monastery of Alcobaça, each on one side, the bodies of Inês and Peter seem to have been petrified during their sleep and are just waiting for the Day of Judgement, when they will see each other again upon awakening. Stories like this are still told in north-eastern Brazil by repentistas and writers of Cordel literature.

In 1683, with the Bragança Dynasty already established, Peter II was crowned. He was called the Pacific, for having put an end to the Restoration Wars after the end of the Iberian Union, arm in arm with England. In colonial Brazil, sugar was already filling the coffers of the metropolis at the expense of the slave trade on the African continent, which was growing rapidly. When gold was discovered in the hinterland of Caeté, in Minas Gerais, a new phase of prosperity began, but the guarantee of wealth and territory depended on a heavy hand to contain colonial revolts. In 1695, the Quilombo de Palmares was destroyed. Peter suffered from uncontrollable drowsiness for three years; he died of an apoplectic attack, with a twisted liver and 25 stones in his gallbladder.

The third Peter married his niece Maria to ensure the continuity of the Bragança dynasty, as she was the first female monarch to reign by hereditary right. Both were very religious, she was nicknamed the Pious and he was nicknamed the Sexton by a liberal 19th-century historian who described him as a very ugly man, with an idiotic face, fierce features, unkempt hair and the air of a drunkard, a rather unflattering portrait for an expressionless king.

The fourth Peter was a man divided between two nations; he was the Soldier King and the Liberator. He was a prince when, in 1808, to escape Napoleon, he travelled with the Portuguese Court to settle in colonial lands, producing an un- precedented effect: a metropolis left the European continent and moved to South America for more than ten years. Becoming Emperor of Brazil was a way of ensuring proximity between the restored European metropolis and a vast territory that would not allow itself to be reduced to colonial status again. His coronation mantle, in the shape of a poncho, was made of green velvet, with branches of cocoa and tobacco embroidered with gold thread, and adorned with a murça of yellow cock- of-the-rock feathers, made by the Tirió indigenous people. Attempting to keep a foothold on both sides of the Atlantic led
to a series of political crises, a war and, in the end, exhausted and suffering from tuberculosis, it cost him his life. His wish was for his heart to be kept in Porto, where it is preserved, like a relic, in the Church of Nossa Senhora da Lapa. In 1972, in the midst of the military dictatorship in Brazil, his bones were taken to the crypt of the Independence Monument in São Paulo, near the place where he is said to have shouted: “Independence or death”.










Rosângela Rennó, 2025


 outro texto

another text