título de trabalho
work title
textos selecionados
selected texts

coisas vivas, 2024
resistance of Breda or las lápidas, 2024
mutatis mutandis, 2024
colonial crime cabinet, 2024
cabeça, corpus e membros, 2022
projeto terra de José Ninguém, 2021 projeto eaux des colonies, 2020-2021
good apples | bad apples, 2019-2023
lanterna mágica, 2012
Río-Montevideo, 2011/2016
corpo extranho africano, 2011
per fumum, 2010-2011
menos-valia [leilão], 2010
matéria de poesia, 2008-2013
febre do sertão, 2008
a última foto, 2006
apagamentos, 2004-2005
experiência de cinema, 2004
corpo da alma, 2003-2009
bibliotheca, 2002
espelho diário, 2001
série vermelha (militares), 2000-2003
cartologia, 2000
vera cruz, 2000
parede cega, 1998-2000
vulgo/texto, 1998
vulgo, 1997-2003
cerimônia do adeus, 1997/2003
cicatriz, 1996/2023
paisagem de casamento, 1996
hipocampo, 1995/1998
círculos viciosos (472 casamentos cubanos), 1995
imemorial, 1994
atentado ao poder, 1992
a bela e a fera, 1992
duas lições de realismo fantástico, 1991/2015
as diferentes idades da mulher, 1991
obituários, 1991
paz armada, 1990/2021
anti-cinema, 1989

Seu espelho, um caleidoscópio

Her mirror, a kaleidoscope

Textos relacionados ao trabalho


Texts linked to the work notable beings of the world

    [...] Para além de serem ocasionais, as omissões que a artista repercute, como algo recorrente nos documentos da história colonial, dizem respeito ao controle narrativo exercido no intuito de evitar representações que pudessem fomentar o desejo de emancipação. Por exemplo, os retratos de cidadãos comuns eram evitados, a não ser no contexto de etnografias e pesquisas científicas financiadas pela Coroa com finalidade recenseadora e, consequentemente, de dominação. 

    As condições dessa retratística convocam Rosângela Rennó a desenvolver trabalhos como Seres notáveis do mundo (2014-21), iniciado durante uma residência em Las Palmas, nas Ilhas Canárias, Espanha. Foi ali, no El Museo Canario, que a artista teve acesso à coleção de mais de sessenta bustos em gesso encomendados pelo frenólogo francês Pierre Marie Alexandre Dumoutier, integrante de expedição de pesquisa ao Polo Sul e à Oceania entre 1837 e 1840. Com essa técnica tridimensional, peculiar diante das etnografias mais difundidas em desenho, pintura ou gravura, o frenólogo registrou tipos humanos em diversos lugares, inclusive no Brasil. Os moldes foram feitos diretamente no rosto ou a partir de máscaras mortuárias, no caso de pessoas já falecidas. Cada escultura recebeu em sua base uma plaquinha com o nome e a origem dos retratados. 

    Por estarem identificados, esses sujeitos alcançaram o requisito da “notabilidade” a que Rennó se refere, com ironia, no título de sua obra. Duas exceções do conjunto inteiro de fato tiveram reconhecidas trajetórias: o filósofo Jean-Jacques Rousseau e o paleontólogo Georges Cuvier. Todos os outros, no entanto, viveram subalternizados e receberam essa menção pontual em um arquivo histórico. A artista fotografou os bustos brancos e os imprimiu em folhas de papel marmorizado. Isso provocou uma espécie de mimetização entre figuras e fundos, efeito que atenuou as presenças e recobrou uma tendência existente, embora que velada no acervo original, de delimitar identidades para salvaguardar a hegemonia geopolítica daqueles que as produzem enquanto representação. [...]


    MAIA, Ana Maria. Seu espelho, um caleidoscópio (excerto de texto). In Rosângela Rennó: pequena ecologia da imagem. São Paulo: Pinacoteca de São Paulo, 2021, pp. 9-35.
    [...] This omission is not accidental at all. Rather, it echoes a recurrent element in colonial history documents: the exercise of narrative control in order to avoid representations that could foster the desire for emancipation. Portraits of common citizens were avoided, for example, except in ethnographical and scientific researches financed by the Crown as census surveys made to reinforce its dominion. 

    The specific features of that kind of portraiture led Rennó to develop works such as Seres notáveis do mundo [Notable Beings of the World] (2014-21), initiated when she took part in an art residency program in Las Palmas, in the Canary Islands, Spain. It was there, at El Museo Canario, that the artist had access to a collection of more than 60 plaster busts commissioned by French phrenologist Pierre Marie Alexandre Dumoutier, who took part in a research expedition to the South Pole and Oceania between 1837 and 1840. With this peculiar three-dimensional technique that differed from the drawings paintings and engravings used in standard ethnography, Dumoutier recorded human types in several places, including Brazil. The molds were made directly on the face or from mortuary masks, in the case of deceased people. Each sculpture had on its base a small plaque with the name and origin of the person portrayed. 

    By being identified, these subjects achieved the “notability” requirement that Rennó ironically refers to in the title of her work. Two exceptions inside the set indeed had recognized trajectories: the philosopher Jean-Jacques Rousseau and the paleontologist Georges Cuvier. All others, however, lived as subalterns and only received this occasional mention in a historical archive. The artist photographed the white busts and printed the images on sheets of marbled paper, thus creating a similarity between figure and background, an effect that attenuated the presence of the original models and evinced a tendency—which was, however, veiled in the original collection—of delimiting their identity to safeguard the geopolitical hegemony of those who produced their representations. [...]


    MAIA, Ana Maria. Her mirror, a kaleidoscope (text excerpt). In Rosângela Rennó: Little Ecology of the Image. São Paulo: Pinacoteca de São Paulo, 2021, pp. 9- 35.


    Texto completo

    Full text